Insetos Invisíveis
Wesley Faria
Ás vezes o sol toca a terra, demora muito pra acontecer, demora um dia inteiro
e dura só um segundo, mas nesse segundo dá pra se fazer uma infinidade de
coisas, os casais encontram nesse segundo uma eternidade para se fazer amar, a
eternidade do beijo, os velhinhos, sentados nas varandas encontram o alarme que
indica que já é hora de entrar. Minha vó costumava a dizer que quando o sol
toca a terra é hora de se rezar uma Ave Maria, eu me lembro que eu ainda era
pequenininho quando aprendi a rezar a Ave Maria, e ficava imaginando q era uma
ave muito grande, que voava sem parar por cima da gente, protegendo, cuidando
daqueles que não podem cuidar de si. Aí ia pra rua brincar com meus amigos, de
pé no chão, pulava o muro correndo e me sentia um super herói, vestido com capa
de bujão e espada de régua escolar. Eu voava por sobre os peões que giravam sem
parar e catava goiaba em um quintal que tinha bem pertinho da minha casa, eu
lembro que eu sempre chamava Carlinhos, que era um menino que morava perto
desse quintal. Lembro que os olhos de Carlinhos, quando eu chamava pra catar
goiaba comigo, nunca me olharam a fronte, ele sempre estava muito ocupado com
seus insetos invisíveis, aos quais seguia fielmente, seus olhos pareciam fazer
desenhos no ar e eu ficava indignado, como pode um menino preferir brincar com
insetos invisíveis ao catar goiaba comigo? Pular o muro, correr descalço e
fazer firula com o canto das lavadeiras lá na beira do rio? Mas minha
brincadeira sempre acabava, eu sempre me cansava e voltava pra casa com os
lábios roxos de frio, e Carlinhos estava lá, sentado, com o mesmo sorriso
contido, mais uma vez não entendia como ele poderia ser tão forte ali parado. Demorei
pra entender que os olhos de Carlinhos não desenhavam no ar, demorei pra entender
que seus sonhos não eram apenas brincar com insetos invisíveis que o seguiam, só
mesmo quando perguntei a mãe dele porque ele não podia sair e correr comigo,
ela sorriu e me disse “Ele tem o próprio mundo dele meu filho” nesse momento acho
que experimentei pela primeira vez a inveja, como podia uma pessoa ter um mundo
inteiro dentro dela? Com planetas, cometas, espaçonaves, luas e sóis. Senti uma
vontade enorme de sentar ao lado daquele menino, assim, sujo de goiaba e barro
seco e tentar aprender como é que eu fazia pra ter um universo só pra mim
também, onde eu poderia ser livre, voar, onde Carlinhos me ensinaria a ser o que
eu quisesse ser, sonhar com o que quisesse sonhar, até mesmo flutuar por cima
das casas e das pessoas, como aquela grande Ave Maria, que minha avó me ensinou
a rezar.
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