domingo, 3 de junho de 2012
A Dama do CASABLANCA
Wesley Faria
Foi na noite da lua mais cheia, quando o cheiro da noite se misturava com brasa de cigarrilhas e perfumes baratos, quando as risadas pareciam não terem motivos nem alvos,nem ao menos bocas, eram apenas sons alegres, soltos no ar, hora e meia caiam na minha mesa.
O salão principal do CASABLANCA, nunca mais foi o mesmo depois daquela noite, quando o baile de verão tinha seu chão riscado pelo salto agulha dela,que, em cada passo, costurava meus olhos, alinhavam as batidas do meu peito e por fim, fazia um remendo novo com as linhas da palma da sua mão.
Eu já não me lembrava como tinha chegado ali, de certo levado por alguns amigos,
solteirões inconformados, escondendo sua frustração de descasados com as cachaças e jogos de baralho, de certo pensar na vida não é coisa que se faça dentro de uma casa noturna, ainda mais uma casa noturna como o CASABLANCA, de tamanha figuração e importante renome no nosso meio.
As janelas bem largas, as luzes bem fracas e um ventilador que girava lentamente enquanto o som do bolero deixava tudo mais profundo, visto que ao som de um bom bolero até mesmo pedir uma bebida ao garçom se torna uma cena de filme e lá fui eu interpretar meu big close:
- Por favor, um conhaque.
"puro ou com gelo?" o garçom me perguntou e devido ao questionamento pude notar que o rapaz não conhece de bebida de homem, de certo deve estar acostumado a bebericar os doces bebericos dos rapazotes, refrigerantes ou vinhos suaves, eu, um machão da minha espécie, o último lobo da matilha não poderia jamais deixar de demonstrar meus dotes alcóolicos, ou alcóolatras...Ah, que besteira, de fato enquanto dedico meus pensamentos sobre a reflexão oriunda da pergunta do pobre rapaz lá estou eu, parado,encarando o jovem garçom nos olhos a 15 segundos, sem responder sua simples pergunta,
acho que ele percebeu, pois a repetiu:
"Senhor, puro ou com gelo?" e eu respondi sem delongas,
- Com gelo, por favor.
Peguei minha bebida com cor e temperatura alterada pelo agrotóxico inserido pelo garçom e vou para a mesa mais próxima da janela, para olhar a cidadela que se move e mover meus pensamentos por aí.
Enquanto embalava meus cantarolares mentais senti uma vibração diferente no ar, um silêncio ao redor e sussurros apontados em uma só direção, a porta principal, que servia de moldura para uma elegante dama, que adentrava ao salão principal trajada com um condizente vestido verde claro, logo pensei, - Mas que cor mais brega para se adentrar em uma estória a ser lida em um sarau, mas como a estória é minha e de deveras não importa o tom do vestido dela, resolvi mudar sutilmente para criar uma imagem mental mais agradável, pois bem.
Sussurros apontados em uma só direção, a porta principal, que servia de moldura para uma elegante dama, que adentrava ao salão principal trajada com um condizente vestido vermelho, trazendo sentido para a noite que se perdia. Os homens, casados e não casados, se avolumavam por perto dela como corvos se aproximam, de....de...de coisas que os corvos gostam. Tratei logo de terminar o cigarro depressa e me levantei, me escondi devagar por baixo do chapéu e me encostei perto da porta do banheiro, afinal é o lugar mais certo de se encontrar qualquer pessoa que se queira na noite, a porta do banheiro é como um portal de passagem para uma outra realidade, no qual quem entra está com um semblante preocupado, apressado e sofrido e quem sai aparenta uma leve felicidade.
Aguardei até que ela se aproximasse, a olhei nos olhos, segurei o copo de conhaque com um ar elegante de quem entende de bebida e....
- Olá senhorita, notei que está usando um vestido que combina com poucas damas deste local, percebi também que entrou sozinha e seu sorriso me disse que essa não era a sua intenção para a noite toda, estou certo?
É óbvio que somente pensei em dizer isso, enquanto ela passou por mim, exalava uma mistura de rosas brancas com sol da manhã, entrou no banheiro e eu, com a cara mais envergonhada, mas sem perder a elegância voltei para o meu lugar.
A noite seguia seu rumo certo para dentro do negrume e eu seguia meu rumo certo para dentro...do meu copo. Quando menos percebi o bolero já tinha se semitonada em um tango
profundo como o El Tango de Roxanne. E posso não entender de bebidas, mulheres ou esportes, mas de tango meu amigo, é que eu não entendo nada mesmo, a única coisa que sei fazer direito é escrever e fazer um semblante de quem conhece tudo e nunca se amedronta, bom, essa última parte podemos dizer que quase nunca se amedronta, pois ouvi um som seco que aumentava pouco a pouco, vindo em minha direção, meus olhos foram ao chão e pude ver duas pontas de pés recobertos por um tom negro, um veludo fino e uma pequena fivela prateada.
De repente o som de sua voz me rasgou os tímpanos, nem ao cérebro passou, chegou direto ao coração, a doce voz que dizia "percebi que me seguiu até o banheiro" e eu, com o peito estufado resolvi assumir e respondi me levantando devagar - Sim, eu sei que você percebeu. Ela, com um sorriso preso aos lábios cujo batom tinha tom de risadas de crianças e cafés da manhã na praia, prosseguiu dizendo "oque queria comigo?"...e eu, na rapidez da invenção de uma história ridícula para suprir a dúvida, disse -EU? (mas quem é o infiél que responde a uma deusa na figura de dama, com uma simples palavra?) mas ela, sorrindo disse "Adorei seu senso de humor" e o sorriso foi estirpado de meus lábios em sacrifício a dama do CASABLANCA.
Ela me perguntou se eu a conduziria naquele tango sedutor e eu respondi prontamente que sim, chacoalhando os dentes feito cerca ao passar de boiada. Lá fomos nós para o centro do salão principal, éramos agora um casal de seres mitológicos, a libélula vermelha feita de sonho e poesia e o besouro de chapéu, feito de cigarro e tinta preta de caneta tinteiro.
O centro do salão era agora o alto de uma montanha longinqua, cujo topo é tocado pelo sol e a lua ao mesmo tempo, braços e olhares bem próximos, o som do violino e o cantor que não sibila cria a melodia perfeita para a poesia viva que bailava. Ao girar pelo local meus olhos exploravam cada face de ódio presente no ambiente, oriundas de homens cujas esposas abraçavam docemente, são os tais hipócritas aos quais A Srta. Carraro sempre lutou contra.
O som lentamente foi baixando e os passos estagnaram de uma só vez. Como quem diz "Olé". Ela me olhou nos olhos e se virou lentamente, seus cabelos tocaram minha boca lateralmente e ela se foi, serpenteando em direção a moldura inicial, a porta principal do CASABLANCA. Eu, como uma estátua de sal, pálio e petrificado no centro dos olhares não consegui ao menos pedir para que ela esperasse, sequer o nome perguntei, quanta inteligência.
Antes que eu fosse esquartejado pelos olhares lancinantes dos frequentadores da lendária boate saí do meu estado petrificado e acelerei o passo até a parte de fora do local, nem rastro dela, me peguei raciocinando sobre um possível ataque esquizofrênico noturno e me autodiagnostiquei são, nada de patologia nem mitologia, eram sensações e lembranças bem reais para serem tratadas como o cristianismo trata seus fatos políticos ou históricos, nada naquela noite havia sido sobrenatural.
Voltei ao ponto de partida e me sentei novamente, acendi outro cigarro e lá fiquei, tentava ligar os pontos mentalmente, tentava fazer mentalmente o mapa atral que me justificaria a volta dela aos meus dias, logo peguei uma caneta, algumas folhas molhadas por cerveja e comecei a escrever o registro dos fatos ocorridos, um texto cujo título havia sido entalhado no átrio direito do meu coração, o título, todo em caixa alta, podia ser lido de longe, bem de longe e está lá até hoje, registrando o dia em que meus olhos tocaram de forma quase espiritual "A DAMA DO CASABLANCA".
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