segunda-feira, 4 de junho de 2012

Cartas de Dante


Cartas de Dante
Wesley Faria

Para minha doce e amada Sofia.


Oh queria sofia, espero que o suor não lhe tenha corrompido os rubros montes pálidos
situados abaixo de teus olhos, espero também que estes não já tenham escurecido
seu lume. Oh doce e amada Sofia, rogo aos céus que finde a arder do meu ofício distante e que eu possa retomar teus braços como fiz a princípio deste ano de 1965, ano no qual nossos olhares duelaram pelo mesmo resquício de paz, ano no qual me emaranhei em teus cabelos e fiz de mim um penduricalho pomposo com direito a chapéu e gravatas de variadas cores e múltiplos nós, ano de sorvetes em torno da praça central, de passeios de bicicletas sem destino e mãos atadas em corrente.

Desejo tanto reter tuas lágrimas ao se lançarem rosto abaixo enquanto se mutila em pranto depois do cinema do final da tarde, lembra? quando seu pai nos vigiava pela fresta da janela, nós percebíamos e nos fitávamos somente de rastro para que ele não percebesse o "eu te amo" imerso em cada olhar. Ah quanta saudades tenho de nosso desjejum no parque, rodeado de rapazes em suas motocicletas aceleradas e seus violões desafinados, aos quais somente nós notávamos e ríamos baixinho em nossas críticas dotadas de supremos senso sonoro e maestrio conhecimento dos acordes, lembra-se de quão hilário parecia? pois eu me lembro de cada segundo segurando suas mãos, de cada suspiro pós-beijo, de cada sorriso rouco e tímido ao telefone.

Lembro-me bem por não ter memórias de dias melhores para que se sobreponham pouco a pouco às suas, lembro-me bem pois sãos estas memórias que me mantém acordado após tanto esforço em terras distantes. Os dias aqui não tem sido dos melhores e receio não retornar em breve para nosso pomar secreto, escondido por detras da casa de Dona Cândida, ou pensa que esqueci tantas escapadas após a missa para vigiarmos nossa macieira crescer? nunca soube de uma árvore mais lenta para gerar frutos, sorrio sempre ao me lembrar das regas excessivas e das podas desnecessárias que fazíamos com mister em herbologia e fertilização, éramos gênios minha doce, éramos gênios e ainda seremos quando novamente meus pés pousarem junto ao seu portão.

Hoje o comandante me pediu para declamar um de meus poemas preferidos, declamei o "Antes do por do sol" o qual escrevi para você se lembra? se não se lembra o cito abaixo como a recordação me deixar,

Antes do Sol.
Dante D'ávila

Quero teus olhos como luas a me fitar,
Quero tuas mãos como pedaços deste luar,
Quero teus dedos anelados pelo douro solar,
Quero tua boca, para que, de leve, possa me deitar,
Tudo isso quero, contudo, antes do por do sol,
Pois é quando o querer nos envolve em nosso lençol.
Sei que devo desejar o sol, mestre celeste da vida,
Mas desejo muito mais a tí, minha amada,
Mais ainda que a própria vida,
Posso dizer-lhe que poderia viver sem o sol,
Porém a imensa dor me mataria
Caso teu corpo não repousasse
Sobre o branco do meu lençol.


Após declamar este poema senti que tuas mãos estavam envoltas em minhas mãos e não mais sentí o frio que corrompia toda a tropa, hoje entendo, querida Sofia, que minhas linhas dedicadas à tí, não suprem apenas meus devaneios apaixonados e planos de amor, essas linhas alimentam de sonhos mais de 30 homens famintos e que, ao escutarem estes pensamentos sentem-se mais perto de casa, obrigado por estar comigo a cada minuto,
Sem mais delongas, despeço-me com os dedos arroxeados pela geada porém com o coração aquecido pela lembrança de teu peito junto ao meu.

Eternamente seu,
Dante D'ávila


23 de Janeiro de 1965.

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