O Encontro do poeta com o passado
W.Faria
Num dia de forte chuva,
E de neblina cinzenta,
senti uma brisa turva,
me dizer “vem meu filho, entra”
e movi meus pensamentos pra um monte que ali ficava,
“é um troço estranho e sujo” sempre minha mãe falava,
Mas mesmo teimoso e de intruso,
fui ver do que se tratava.
Cheguei montado no vento,
Que forte já me ensinava,
Desde pequeno eu lembro,
da estrada na qual entrava,
O vento me sopra, me move e me leva
Sobre o topo da serra branca,
a montanha de uma légua,
Como era conhecido aquele morro sem trégua.
Lá em cima eu pude ver uma cena assustadora,
Como se ela tivesse chegado ali de vassoura,
Uma velha remoída, carcomida pelo tempo,
Ficava ali me esperando, feito arbusto no relento,
E eu nem olhar conseguia, a velha me assustava,
Me fazendo covardia, com aquele olhar embotado.
Eu até me fiz de valente e abri um sorriso sem dente,
Que é pra ela não ficar encantada,
Vai que de repente a velha fica cismada de me beijar sorridente.
Mas olhando pra aquela velha, com roupa tão castigada
Eu vi uma semelhança com uma cena por mim lembrada,
Os olhares feito navalha que arrancam pedaços da minha pele,
Os cabelos envoltos ao nada, que mosca nenhuma repele
Com fios grisalhos e compridos, que faz com que a cena congele.
As unhas sujas como jagunço da terra,
E a pele tinha rugas feito o solo do sertão,
Olhos negros fundos, volteados, já cansados do verão
Trapos serviam de roupa, pedaços de um passado bom.
O zigue e zague da trovoada, que rasga e risca o céu,
Zoava como queimada na palha de fazer chapéu,
A luz que iluminava o alto da serra da velha
Num lampejo me fez rever a mim mesmo num retrato
Segurado por ela em moldura de madeira,
Foi quando entendi que a velha, ali parada a beira
Era algum tipo de fantasma que expressava meu passado
Vi que não era quem nota, mas era notado.
Percebi que cada passo era um passo dado,
Não cabe mais ser condenado,
Vi que a velha me sorria e não queria sorriso dado,
Vi que as unhas não me cortavam,
Como tento cortar de mim o passado que não é bom,
Vi que ela me segurava e não me modificava,
Por mais que eu fosse diferente na fotografia
Ela apenas segurava, sustentava, nem tremia
Sou eu quem tremo frente ao passado,
Então a velha descabelada
Era o passado que ali estava.
Que aqui está, me observando sem avaliar,
Me avaliando sem observar.
O passado é uma velha que te espia de cima de uma serra,
Velha, molhada e fria.
Que a tempos ninguém via,
Mas é a mais pura poesia,
Feita do ontem, do medo, do agora,
Do respeito pelo outro, mesmo que o outro não esteja aqui agora.
O passado é uma cesta de maçãs podres,
Levada pelo vento e espalhada pela vida,
O vento quente que arranca o telhado,
Nos mostra as maçãs caídas do outro lado
Maçãs as quais não mais via.
O passado são os dois segundos de agora,
O futuro é o tempo que demora para você voltar de lá,
Então o futuro é agora, digo sem me preocupar.
E a velha, que tanto medo me dá,
Ora veja, vou ter que me conformar,
Porque onde eu for ela irá, onde ela for, vou estar lá.
O candeeiro não vai se apagar, a catingueira não vai se queimar,
O passado é a saudade tatuada em nosso coração,
Dizendo que é pra lá que nossos passos vão,
E eu, que sempre fui meio avoado,
Finalmente pude entender,
Que pra viver assim rimado,
Certas coisas tem que ter,
Não ter medo do passado,
De viver ou de morrer,
Só se for viver parado
Ou vendo o sol descer,
Aí inventei uma frase,
Que nunca mais vou esquecer
É assim:
SIGA O SEU SORRISO, QUE O RESTO SEGUE VOCÊ.
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