quarta-feira, 15 de julho de 2009

Renascer


Devia ter ficado na areia, devia ter sentido a maresia de longe, não devia ter me envolvido coma s ondas daquela maneira, era como se o mar estivesse zangado, regurgitando e engolindo novamente suas águas. Mas não estava só e isso me bastou, ele olhava de perto a maré, analisava, pedia permissão para adentrar no reino de fitos e algas, no reino azul esbranquiçado daquele fim de tarde. De repente, num estrondo, sem pensar me pego rumo a água, como se houvesse confundido a maresia com um lençol enrugado estendido de forma desmazelada a cama, me lanço, quebrando a oração perfeita dele a beira d’água. O estrondo do meu corpo na água é tamanho que sinto penetrarem na pele recém resfriada milhares de agulhas, lancinante. A alegria de entrar em contato com outro mundo me causa uma comoção que me tira de sintonia com a realidade, remo ainda que meio desengonçado para algum pedaço calmo de mar, me pego a pensar no medo causado pelo tamanho da maré. Ele entra minutos após de mim e se lança com cuidado sob e sobre a correnteza enquanto eu me remexo como que se dançasse sob a espuma que fica, sem muitas delongas, cada vez mais brancas e maiores rumo a costa.

Um minuto, apenas um minuto foi tempo de sobra pra perceber que eu devia ter ficado na areia. Solavancos e cansaço, pessimismo e mais cansaço, as ondas me castigaram como se perguntassem pra mim onde estava meu respeito, como se tudo que pensava sobre o mar não passava de ilusões de um rapaz do interior com sonhos sobre mar calmo e caravelas. Me peguei com olhos arregalados e pedindo socorro como quem pede, num deserto, desesperadamente um copo d’água, clamando piedade marinha. Ergui os olhos e avistei gaivotas, imaginei meu corpo servindo de jantar num entardecer silencioso, num cobre-avermelhado rodeado por um azul enevoado. Ergui um dos braços, Deus sabe quão difícil foi faze-lo, gritei pra ele, pedi ajuda, um pedido exteriorizado acalmou meu clamor desesperado que devorava meu peito. Estremeci, outra onda massageou-me as costas e em seguida fui tomado por um volume incomensuravelmente grande de água, ajuda, pensei. As pernas já não obedeciam, os braços não me mantinham acenando pelo simples fato de que naquele momento já não tinha mais braços, era apenas um pedaço de mim que precisava de ajuda, sua ajuda, afundava e emergia com destreza, como se quisesse fazer parte do sal, da água e da areia. Para ser sincero já não sentia meu corpo, era apenas um algodão molhado, desespero. Enfim ele chegou, ele sim tinha a permissão dos mares para penetrar no azul, cortar as ondas, sabia o que fazer, nossa diferença de idade não importa absolutamente nada no modo como nos tratamos e naquele momento que sá existiu, obedeci ou ao menos fiz o que pude para dar ouvidos a ele, confesso que a dificuldade se deu pelo fato de ter que desviar de ondas, ter o corpo cansado, o desespero claro de que os esforços não iriam acabar na areia, cheguei a dizer que Não vou conseguir. Dez minutos aproximadamente, aproximava a mente de algum lugar sólido mas os pés estavam à deriva, a única coisa que possuía lúcida perto de mim era ele, com a calma de avó ao ninar um neto, com a calma de um neto ao dormir no berço aquecido. Cada segundo uma temporada rumo a praia. Ao tentar, num doloroso instante, flutuar sobre a imensidão que me carregava, perco o rumo e me vejo voltando para o horizonte azul do qual fugia, fui arrastado por ele, que por sua vez possuía mais forca de vontade e fé do que forca e fôlego, alias era o único que possuía algum fôlego para qualquer coisa. Ao pressentir uma onda sinto um empurrão contra meu ombro, rumo a costa mas ainda estou muito longe de colocar os pés na areia, ele, em pe do meu lado diz que sente a terra sob os pés e eu que nem pés sinto prendo o choro e tento focar o horizonte, outro empurrão e mais uma onda quebra em minhas costas, enfim, e graças a Deus, o mar me cospe com raiva para a praia e acerto o chão com meus pés, caminho feito soldado para longe do mar, olho para o chão e a água volta rapidamente, percebo que mais dois minutos podem ser cruciais entre minha chegada a praia e minha volta para o oceano. Peco ajuda a uma pessoa, em vão, outra, em vão, não adiantava, era como se Deus dissesse em toda sua meninice “Hoje você vai aprender algo e só ele vai poder ajudar”. Chego a areia e sinto meu peito bater no mesmo ritmo das ondas que queriam me devorar, engolindo meu corpo sem mastigar. Olho para cima e as gaivotas não estão mais lá, acredito que tenha fantasiado por medo, mas não, apenas se afastaram. Um corpo jogado na areia, eu era isso naquele momento, apenas um monte de carne e ossos, sal e água, caída como folha na praia branca, sentia-me pequeno, menor que um grão da areia que me servia de cama. Um movimento com o olho me revela que ele esta ali, logo ali do lado. Percebo que ele não queria perder por um minuto minhas reações e mesmo sem muita pratica com casos como o meu senti uma habilidade calma para com o assunto, isso me trouxe paz, tudo que precisava no momento. Uns cinco minutos se passaram, vegetava, inalava maresia e transpirava pavor, ele ergue a mão com um crucifixo e me entrega dizendo que aquilo não deveria ter saído do meu peito, percebo que sua fé o empurrou rumo a mim em meio as ondas, meio a correnteza que tanto brincou comigo, que dançou comigo, que mexeu com meu corpo como alguém que se diverte. Mas ele estava certo, não deveria ter tirado a cruz do peito, não deveria ter sido tão insolente, deveria ter pedido permissão para entrar no mar, deveria ter ficado na areia, sentido a maresia de longe, esperando o momento para entrar no mar, esperando o momento certo, devia ter ficado na areia.



Ao amigo Cassiano Iop, por me salvar a vida no dia 28/04/2008 no mar de Copacabana, após a ressaca de uma noite violenta.

Wesley Faria.