domingo, 15 de julho de 2012

A fila sempre volta

De todas as mulheres as quais amei você foi a que me deixou mais saudade.
Quando nossos pés se calçavam de nós mesmos, se enroscavam entre lençóis e o cheiro do café nos fazia levitar pelo quarto. Nossas juras de amor que varavam a madrugada e ficavam coladas nas nuvens de nosso pai Oxalá, que as lia e só ele sabia que não faziam o menor sentido.
Saudades das tardes na praia, olhando o mar lamber a areia e o sol beijar o mar, osculando de leve o horizonte, que de azul virava laranja e se incendiava lânguido e quase inerte. Algumas pessoas passaram pela minha vida e deixaram cortes, outras deixaram frestas, poucas deixaram lembranças, mas pela porta que você deixou aberta é que passam todas as lembranças enfileiradas, que me desejam bom dia, boa tarde e boa noite, uma a uma, lentamente e eu as cumprimento, uma a uma até que a última passa e  me diz olá novamente, é quando a fila volta e a fila, a fila sempre volta.


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Caminha vai ficar.


Caminha vai ficar.
Wesley Faria

Nem Caminha percebeu
A anedota que o antecedeu,
Sua mãe, moça distinta,
Disse ao pai em voz direta e limpa:

"Ora Vasco, duque de Bragança,
Tenho a santa esperança,
Que nosso filho vai ser,
Ou um bravo aventureiro,
Ou até rei pode ser."

Mas Vasco, o marido fiel,
Pálido, um gentil menestrel,
Disse ao homem que escrevia
Com a rapidez de uma estrela guia:

"ÓH Gajo, eu quero que escrevas bem,
Minha mulher está a ter neném,
E eu é quem vim batizar,
Quero respeito com esse nome,
Por mais que lhe pareca estranho,
Sofá em casa é oque ganho,
Se a caso você falhar."

O escrivão muito sabido,
de pronto se fez de entendido,
E logo ergueu a pena:

"pois me diga meu senhor,
Qual título devo por?"

E Vasco, sorrindo de lado,
Disse meio ressabiado:
"É Pero Vaz de Caminha"

"Com a sua?" o escrivão perguntou!
"Caminha" o duque esquivou.
"Vaz Caminha não é tão sonoro,
O senhor queira me desculpar"

E o Duque disse com o peito estufado:

"Rapaz, um conselho eu vou te dar,
Se tiveres mulher e filho,
É bom aprender a escutar,
Foi Caminha que minha mulher o fez,
Então Caminha vai ficar."

Só é a solidão


Só é a solidão.
W.Faria

Meu peito é feito de água,
De poesia e canção,
De melodia e refrão,
Que no papel deságua

Meu passo ao seu passo conduz,
como orvalho que toca o chão,
Teu silêncio ao meu peito faz jus,
Tal qual a tarde inteira de verão.

E Você vai me perguntar,
Se já está escuro,
Só pra não se levantar,
E ficar misturada em tanta cena
Feito a cor, daquele tema de Van Gogh.

Feito Bicho que se esconde a escuridão,
Feito linha mal traçada na palma da mão,
Tece a noite em seu cabelo,
Teu perfume ao mar naufraga,
Tem o tom do vaga-lume,
Que por teu cabelo vaga.

Só é a solidão,
Só é a solidão,
Só é solidão e mais nada.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Divina Sabotagem


Divina Sabotagem
Wesley Faria

Como pode ser ridículo o velório de quem não envelheceu,
Para o velado que amara o assunto não narrado.
As senhoras chorando sobre um corpo que pereceu,
Imagino a angústia da alma ainda presente,
Como quem é tirado do jogo assim de repente,
Golas molhadas e broches enfeitando as lapelas,
Lágrimas, velas e flores amarelas.

Imagino os passos lentos e o pensamento apressado,
Daqueles que ficam e desejam que anos passem em segundos,
O segundo terço acaba de ser finalizado,
O líder da cerimônia deixa o púlpito aberto para os recados,
Lágrimas, velas e um paletó gelado.

Um padecer tão precoce, um 'ir embora' pra Oxóssi,
Voltar a ser natureza, voltar a ser matemática,
Um existir tão macio, sem espaço para o vazio.
Sustenido suspenso em uma dó bem maior.

Na lista do que não faria, fiz de tudo que só eu queria,
Não desisti de sonhos em minhas andanças,
Pintei os muros com minha poesia,
Ficam alguns versos por terminar,
E alguns passos que outros pés poderão caminhar,

É hora, mesmo que antes, é hora,
Vou por aí, escrever por sobre a nuvem,
Sentar lá em cima e balançar os pés,
Jogar poemas em papel amassado,
Disfarçados de gotas de chuva,
Sobre as sombrinhas e no meio das ruas.
Fumar meu cigarro com o vinho do lado,
Se é que poderei ainda ser assim.
Viver a vida mais nua.

Divina sabotagem,
Que me mostra o tamanho que tenho,
Terei o tamanho que sei,
Se deixei angustia ou desdenho,
Sei que mais memórias deixei,
Cenas sorridentes sem fim,
E por fim oque vão encontrar,
Será uma grande constelação de mim.

Pena invisível


Pena invisível
W.Faria

A pena invisível do poeta
Não precisará de tinta ou de mais espaço,
O espaço é invisível e nunca se preenche,
para a pena do coração de quem chora em leito quente
O poeta é só mais um que grita entre roucos
E experimenta o sentimento antes dos outros.